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sábado, 29 de agosto de 2015

Música Árabe e Brasileira - algumas relações e semelhanças

O presente e breve artigo partiu de algumas conjecturas e pensamentos que vim tecendo ao longo desses anos junto à minha vivência da música oriental como um todo e, mais especificamente, da musica árabe.

A partir de um dado momento passei a tentar estabelecer conexões entre os pólos de matriz musical brasileira e suas cargas hereditárias.

A música brasileira possui, para além de sua diversidade de expressões, uma matriz multifacetada que gira em torno de várias origens. Poderíamos citar algumas delas como a portuguesa e africana – as mais conhecidas e mais popularmente debatidas.

Porém, outras fontes foram importantes para a construção do que hoje entendemos, escutamos e executamos como música brasileira. Poderíamos citar, rapidamente, a influência europeia de origem italiana, alemã que, no sul, trouxe importantes contribuições criando, ao longo dos anos, tradições e festividades típicas na região.

Além delas, outras como as indígenas nativas, os holandeses, os franceses, os judeus e ciganos... todos, de certa forma, têm sua parcela no que diz respeito à musica em território nacional.

Um importante grupo são os povos árabes que, desde tempos remotos, para aqui vieram. Sua maior leva de imigração ocorreu de fato no século XIX e hoje existem, segundo fontes, mais de dois milhões de descendentes.

No Nordeste, foram responsáveis inclusive por fundações de cidades, afirmando uma posição mais incisiva do que em outras regiões. 

Principalmente, devido às conquistas árabes que levou a tradição islâmica e seus costumes aos países da África, consequentemente, muitos dos escravos aqui no Brasil possuíam essa origem, como os Males na Bahia, por sua vez vindos das regiões sudanesas da áfrica. Pelo ioruba, Imales – muçulmanos, geralmente eram um grupo letrado e bilíngue. Aqui, insatisfeitos pela pressão católica sobre sua fé, rebelaram-se. Após a revolta dos Males, os que não foram deportados para o Benin, permaneceram em Salvador ou migraram para o Rio de Janeiro.

A influência cultural e, portanto, a música nesse sentido, de origem africana-árabe, já entrava dando seus primeiros passos antes mesmo da grande leva de imigração árabe do século XIX. Vale mencionar também que, em Portugal, antes da colonização brasileira em 1500, os árabes lá estiveram até 1249, totalizando oito séculos de presença com sua música, arquitetura, ciência, artes, língua e culinária, onde vemos registros até os dias atuais. Obra literária capital nesse sentido e o do autor português Adalberto Alves que em seu livro "Arabesco da música árabe e da música portuguesa" (Lisboa, Assírio & Alvim), remonta a gênese e as influências de toda ordem sobre grande parte da musica folclórica e popular lusitana. Em seu ponto de vista, hoje o que se entende por música portuguesa, desde há muito tempo, deita suas raízes, e não somente, bem como suas expressões estéticas, melódicas e rítmicas na tradição árabe.

O Brasil, obviamente, recebeu de forma direta essa influência como já mencionado, desde os primórdios de sua existência enquanto colônia.

Muitos instrumentos típicos árabes como o Rabab, o Tabl, o Oud, o Daf, aqui foram evoluídos para outros fins que não a musica árabe somente.

O Rabab, uma espécie de violino primitivo árabe, aqui se tornou a Rabeca. O Tabl, um tambor de dimensões em torno de 20 ou 22 polegadas utilizando-se baquetas, tornou-se a zabumba, muito utilizado no nordeste, para a execução de baião, xote, forro, quadrilha etc. O Daf, ou Tar, ou mesmo Bendir, nomes diferentes para um mesmo tipo de pandeiro, que pode ser encontrado em diferentes padrões de tamanho, espalhados por todo o oriente médio e norte da África, tem sua expressão artística musical nos pandeirões de São Luiz do Maranhão. Sobre essa linha de instrumentos específicos, em Portugal, o adufe seria um intermediário evolutivo dos pandeiros orientais. De formato ora Hexagonal ora quadrada, ainda hoje desempenha sua função em festividades e músicas regionais e folclóricas portuguesas e romarias.

Nesse sentido, a rítmica árabe também entra no jogo de miscigenações, de criações e fusões que encerram a música nacional. Ritmos árabes como Malfuf, Saudi podem, em suas estruturas rítmicas, serem facilmente identificáveis num típico Baião. Possuem a mesma fórmula de compasso e os mesmos tempos, fortes e fracos. O Ijexa, ritmo de dois tempos, possui muita semelhança com o Karatchi tocado, principalmente, no norte da África em toda extensão do Marrocos ao Egito. 

São muitas as nuances de riqueza em detalhes quem fazem dessa tradição musical no Brasil, uma das mais influentes em nosso repertório.

Espero que, com esse breve artigo, possamos criar cada vez mais curiosidade sobre nossa cultura em termos de atribuí-la seu valor exato e que a música oriental árabe, ao invés de um objeto longínquo e permeado de mitos alegóricos, possa ser visto em sua relação real com a nossa arte, cultura e vida.

Arthur Kauffmann
a.kauffmann@yahoo.com.br

Arthur Kauffmann é especializado pelo Rimon School of Jazz and Contemporary Music (Israel). Atua como Free lance/professor de Bateria e Percussão oriental. Alguns dos nomes com que já tocou e gravou incluem: Big Gilson, Guto Goffi (Barão Vermelho), Yair Dalal (Israel) e Gwyn Ashton (Australia/Reino Unido). Já lecionou e deu diversos workshops em escolas de música como Espaço de Música Gifoni Dantas, Bateras Beat e Maracatu Brasil.

sábado, 15 de agosto de 2015

Folclore tem que ter moeda?

NÃO.

Se você achava que sim, você precisa URGENTEMENTE estudar folclore árabe.

Algumas bailarinas famosas optaram por não trabalhar com folclore por diversas razões. Eu, particularmente, acho a estratégia conveniente, pois assim, fica mais difícil de você cometer gafes.

Porém, assim como eu, várias outras bailarinas trabalham com folclore e acham isso importante para que sua Dança do Ventre tenha mais embasamento. Mas, dentro desse universo, existem bailarinas que, ainda assim, cometem muitas gafes e não parecem estar muito preocupadas porque, quando recebem a crítica, a vaidade as ensurdece. Uma pena.

Como a Melinda James já escreveu em um blog, "o traje de cada povo, a forma de usá-lo e as ocasiões demonstram influências culturais importantes. Os acessórios e trajes preparam a pessoa para o clima, vegetação e solo local, além de demonstrar os padrões de beleza e a forma como cada povo reage a isso". [adaptado do texto original]

Voltando às moedas (as pastilhas podem representar as moedas, ok?)

O material das moedas vai variar de acordo com a região. Exemplo: Na Dança Siwa, os adornos são de prata e na Dança Ghawazee, elas são de ouro. Logo, combinar as "moedinhas" deve seguir uma lógica dentro do seu figurino.

Aliás, vamos usar, como exemplo, os árabes da região do Alto Egito (sul), ou seja, em direção ao continente. São os povos que representamos através da Dança Said e Ghawazee. As Ghawazee costumam ser representadas com moedas pelo corpo porque elas eram pagas com moedas de ouro pelos transeúntes e quanto mais moedas elas penduravam em si mesmas, mas elas demonstravam o quanto eram admiradas. Aliás, é muito fácil confundir algumas músicas ghawazee com músicas said pois uma parte delas mora na região Said.


Já Dança Fallahi quase nunca é representada com moedas ou pastilhas. Nem teria porque, afinal, é uma parte pobre do Egito, onde haveria tantas moedas de ouro/prata para exibir?


E o palco?
Sim, ele continua nos dando licença poética logo, os figurinos podem ser modificados, contanto que não descaracterize a dança que você propôs representar. Um exemplo super comum: vou dançar Dabke! Mas como não quero investir numa roupa de Dabke, vou pegar aquela galabia de said e colocar um lenço de moedas, meu sapatinho de flamenco e... pronto, #arrasei, ninguém vai notar.

Vai notar sim. Bom, vai notar quem estudou, minimamente, a diferença entre said e dabke. Vamos de Dabke primeiro:


Aqui a Lucy está representando uma ghawazee dentro do contexto said.

Todos nós já erramos dançando folclore, principalmente, pra lá de 15 anos atrás, em que não tínhamos tanta facilidade para viajar, ver vídeos e fazer workshops. Hoje em dia, você continua tendo o direito de não saber sobre determinada coisa (afinal, a gente dá aula de Dança do Ventre e continua aprendendo, certo?). Mas esse direito já começa a ser questionado caso você queira fazer uma performance "diferente" e não a estuda direito.

Conclusão
- Nem todo folclore tem moeda
- Nem todo acessório é moeda dourada
- Nem todo folclore tem faixa de cabelo

Com quem vou estudar? Você pode continuar estudando com quem você quiser; a grande diferença é: PENSE. O que a pessoa disse tem sentido, o que isso significa? Pense se o que o professor disse conecta com outras coisas que você aprendeu ou viu, tenha senso crítico. Não é só porque a pessoa é famosa (ou não) que ela sabe o que está dizendo ou fazendo.

Bauce kabira,
Hanna Aisha

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Emta Omri

"Você é minha vida"

Intérprete: Oum Khoulsoum  (1898/1904?-1975)
Letra: Ahmed Shafic Kamel
Música: Mohamed Abdel Wahab (1902-1991)

"Emta Omri" é o primeiro trabalho da Oum Khoulsoum junto de Mohamed Abdel Wahab e de Ahmed Shafic Kamel. Algumas expressões foram mudadas da letra original a pedido da Oum, porém, a contragosto de Ahmed que, finalmente, cedeu, pensando na repercussão futura. Ela foi lançada em 6 de fevereiro de 1964 e foi extremamente aclamada pelo público.

Aqui, tem a letra e tradução (em inglês) para acompanhar a música:


Essa música sempre emociona quem dança e tem um grande potencial de emocionar a plateia. Quem não fica estremecido ao ouvir o final da música: "Emta omri, lli-btada binurak sabahu" [Você é minha vida que começou, com tua luz, seu amanhecer].

Eu já dancei essa música algumas vezes e ela é, sem dúvida, minha música árabe preferida. Aqui, uma dessas vezes em que a dancei:


Curto muito essa performance da Aida Bogomolova:


Fonte: Revista Shimmie ano 04, no. 19

Bauce kabira,
Hanna Aisha