Eu vi alguns vídeos sobre semsemeya e como nunca aprendi "formalmente", não me senti à vontade para escrever um post sobre esse tema. Logo, pedi ajuda a uma bailarina que, até onde sei, sabe bastante sobre o assunto: Bianca Gama. Espero que gostem! [O texto e vídeos são de responsabilidade da autora]
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Pessoas como nós foram enfeitiçadas. Não podemos ignorar o
chamado da sereia. A
semsemeya enfeitiça todos aqueles que cantam e tocam e
todos aqueles que dançam. Até a plateia que os assiste.
El Wazery, no
documentário “The Siren”(El Mastaba Center for Egyptian Folk Music)
Tanbura |
Tradicionalmente, a Semsemeya é uma
pequena lira de cinco cordas que pode ser encontrada em inúmeros retratos de
tumbas egípcias, ilustrando músicos da antiguidade que entretinham os faraós e
outros dignitários da corte. É importante ressaltar que apesar do seu caráter remoto,
a utilização deste instrumento ainda é muito comum na sociedade egípcia
contemporânea.
Em contraste, a Tanbura é uma lira maior
com seis cordas que era habitualmente usada nas cerimônias de cura Zaar.
Pensa-se que este instrumento tenha sido trazido para o Egito durante o século
19, após a conquista de parte do território do Sudão. Quanto à procedência da
Semsemeya, não se sabe exatamente qual seria a sua origem, mas se acredita que ela
seja uma variante da Tanbura. Uma lenda egípcia conta que o primeiro destes
instrumentos foi criado a partir da casca de uma tartaruga que nadou muito
longe ao longo do Nilo e acabou se tornando o jantar para um músico com fome.
Outra lenda afirma que a Semsemeya já existe há séculos no Golfo Pérsico e que
a sua música teria a capacidade de acalmar as águas do Mar Vermelho...
Atualmente, para acompanhar o canto há
versões modernas e até mesmo variantes destes instrumentos, que possuem de 12 a
14 cordas metálicas, com saída eletroacústica, podendo chegar a ter até 25
cordas, que são afinadas para atender aos diferentes maqams/escalas da música
oriental, além daqueles mais utilizados como o Rast e Bayati. Nos dias de hoje,
também podemos encontrar a Semsemeya em músicas da Jordânia, Iêmen, na
península do Sinai (inclusive em canções beduínas) e pelos arredores do Mar Vermelho.
Semsemeya |
Confira algumas imagens do Canal de
Suez, os relatos dos músicos, a distribuição destes instrumentos pelo Egito e um
pouco de dança nos diferentes estilos de música compostos com a Tanbura, a
Semsemeya e outros instrumentos aqui:
Parte 1 do documentário “The Siren”:
Parte 2 do documentário “The Siren”:
Ao longo dos tempos, o Canal de Suez tem
sido uma passagem de importância crucial entre a África e a Ásia. Há muito
tempo, peregrinos muçulmanos já viajavam através de Suez a caminho para Meca.
Desta forma, é natural compreender que esta região tenha sido afetada por
diferentes influências culturais. A conclusão do Canal de Suez, em 1869, foi um
evento estrategica, politica e economicamente muito importante para o
Egito, e isso também afetou o desenvolvimento da música popular do distrito.
Durante a sua construção, os
trabalhadores provenientes de todas as partes do Egito trouxeram com eles as
suas próprias tradições musicais, tal como fizeram os engenheiros ocidentais e todo
o pessoal administrativo com suas famílias. Port Said foi dividida em duas
partes, uma ocidental e outra egípcia. Os egípcios se reuniam semanalmente em
bailes denominados “dammas” para tocar a sua música e cantar. Nestas ocasiões,
se utilizavam a tabla, colheres, palmas e às vezes um pandeiro para acompanhar
as canções. A Semsemeya só foi incorporada à música local depois. De acordo com
algumas fontes, o instrumento chegou ao canal apenas em 1938, e posteriormente se
adaptou à tradição musical do local, por intervenção de um músico chamado
Zakaria Ibrahim, criador da proeminente banda El Tanbura.
El Tanbura band:
A música Semsemeya ganhou uma
importância política peculiar por volta de 1950 quando as canções passaram a
falar sobre o movimento de libertação contra a ocupação britânica do Canal de
Suez. Várias de suas músicas versavam sobre o crescente movimento de
nacionalização do canal, assim como o espírito de luta de Suez. Uma das
personalidades mais conhecidas na formação da música Semsemeya é Mohamed
Mahmoud Ghazali, conhecido como capitão Ghazali, que foi um líder do movimento
de resistência, o qual formou uma banda que era levada para a linha de frente
nas batalhas, para tocar as suas músicas e encorajar os combatentes.
A dança Mambouty é uma parte
essencial do repertório das trupes de folclore do Canal. Essencialmente, é uma
dança masculina alegre e vigorosa que se caracteriza por passos rápidos, saltos
bem altos, passos do tipo “charleston” (ao que tudo indica, que foram
absorvidos dos marinheiros ingleses), sapateado, palmas (“kaff”) e alusões ao
cotidiano rotineiro do mar como “avistar, puxar e jogar a corda, remar”, motivo
principal para ser chamada também de dança dos pescadores. Também podemos
encontrar a utilização de um par de colheres de metal e bastão nesta dança.
Os vídeos abaixo representam o estilo de dança Mambouty, realizado pelo bailarino e professor egípcio Mohamed El Hosseny, ex-integrante da Trupe Reda, atualmente radicado na Finlândia, porém nativo de Suez e especialista neste tipo de folclore:
Os vídeos abaixo representam o estilo de dança Mambouty, realizado pelo bailarino e professor egípcio Mohamed El Hosseny, ex-integrante da Trupe Reda, atualmente radicado na Finlândia, porém nativo de Suez e especialista neste tipo de folclore:
Os “Man Boat” eram pescadores,
guardas-marinha, comerciantes barqueiros e também trabalhadores do porto, que,
como mencionado anteriormente, ao se reunirem nos dammas utilizavam palmas,
colheres, assim como panelas e daffs para acompanhar e dançar as canções que
eram tocadas naquela região. Esta dança não possui um traje específico e a
roupa utilizada no palco reflete a origem da classe trabalhadora deste
folclore. Deste modo, é comum vermos apresentações com roupas que fazem alusão
à Marinha, ao mar e roupas no estilo “Popeye”.
Ressalte-se que a participação
feminina neste folclore suscita muitas dúvidas quanto a sua inserção. Até o
momento, não está claro pelas minhas pesquisas se mulheres costumavam mesmo dançar
originalmente nos dammas ou se a inserção de mulheres na dança Mambouty se deu
pela adaptação para o palco e a teatralização deste folclore; visto que existe
a possibilidade de mulheres dançaram vestidas de homens ou utilizando a roupa típica
no estilo “Baharey” (relativo ao mar, relativo também a esta região), que é o
vestido curto utilizado em apresentações de Melea-Laff.
Fato é que uma performance mista de homens e mulheres pode ser realizada com homens dançando os passos masculinos do Mambouty e mulheres trajadas com o vestido Baharey, utilizando ora alguns passos de Mambouty, assim como o próprio repertório da dança oriental. Confira aqui uma coreografia das professoras do Oriental Studio de Dança:
É muito importante ressaltar que a
Semsemeya ou Mambouty ainda é uma tradição viva no Egito. Casamentos são
organizados em Suez com bandas de Semsemeya para entreter os convidados e as
músicas atuais refletem os temas contemporâneos do Egito. Como exemplo, no
início de 2011, a banda El Tanbura participou da revolução egípcia, fazendo
campanha para a reforma social, política e cultural no Egito e tocando para os
manifestantes na Praça Tahrir, no Cairo.
Finalmente, gostaria de ressalvar que
este artigo é fruto de pesquisas combinadas de algumas fontes, e não
representam uma verdade absoluta e inequívoca. Novas fontes de referências
podem alterar parte do texto acima, à medida que outras informações vão sendo
adicionadas e comparadas entre si.
Referências básicas:
biancaegama @hotmail.com
Embora Bianca sentisse desde criança uma forte atração pelo sons do oriente, foi somente em 2000 que ela seguiu seu impulso para adentrar no mundo da dança do ventre. Foi então na primeira aula, realizada na data de seu aniversário, que ela foi completamente conquistada por uma professora iraquiana, Sandra Chitayat. Desse momento em diante seguiram-se muitas aulas, ensaios, coreografias e apresentações. No ano de 2005, Bianca deu início ao ensino dessa modalidade de dança, ministrando aulas nas quais desenvolveu um método próprio de desenvolvimento corporal, relaxamento e conscientização rítmica. Sua técnica e expressão foram aprimoradas com renomadas professoras brasileiras, como Lulu, Carlla Sillveira, Clara Sussekind, Melinda James e Luciana Midlej, assim como de professores egípcios como Raqia Hassan e Gamal Seif. Já viajou para países como a Turquia e Egito para ampliar os seus conhecimentos. Atualmente, Bianca é professora do quadro do Oriental Studio de Dança, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro.
Li e assisti a todos os vídeos babando! Achei impressionante como em várias passagens do documentário identifiquei danças que fazem parte do repertório folclórico alagoano e pernambucano (os que tenho mais conhecimento). Muito bem escrito, parabéns, uma joia de post.
ResponderExcluirotimo texto, bem pertinente com as pesquisas e entrevistas que fiz qd fui ao egito. Gostei muito de saber a origem do termo maboteia, concorda bastante com a formação de termos apropriados de outras linguas na gramatica arabe. meus parabens!
ResponderExcluirPost completo sobre o assunto!
ResponderExcluirMaravilhoso documentário , ótimos vídeos , gratidão
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