Depois de um ano e meio de terapia, resolvi perguntar para minha psicóloga se eu tive depressão pós-parto e ela disse que sim. Esse diagnóstico me tirou um certo peso das costas e acabou esclarecendo algumas coisas que aconteceram ao longo desse tempo. E uma dessas coisas foi o papel da dança nesse momento.
Meu filho nasceu em abril de 2022 e saí do hospital já com "baby blues", pois meu leite não desceu e meu filho passou fome por um dia por conta disso (o que me gerou um grande estresse). Nunca amamentei meu filho plenamente, ele tomava fórmula para complementar.
Fiquei 30 quilos acima do peso; fiquei meses sem conseguir me ver no espelho.
Tive 2 meses de licença maternidade. Nos dois últimos dias da minha licença, nos mudamos para outro estado e começamos a trabalhar em outra universidade.
No meu segundo dia de trabalho, meu filho completou 2 meses de vida e uma das minhas gatas (a qual eu tinha uma relação emocional muito grande) morreu.
A partir daí, a bola de neve já estava caindo e a velocidade só aumentou, pois, nos próximos meses, passei por alguns lutos de diferentes naturezas.
Eu procurei minha psicóloga quando meu filho tinha uns 3 meses, mais ou menos, pois percebi que ia cair doente (foi o que eu disse para ela). Hoje, eu acho que já estava doente e, na verdade, piorei depois. Mas, não cheguei a ficar de cama ou com a sensação de "estar parada no lugar". Eu não tinha (tenho) o privilégio de parar para tirar licença médica ou alguém para ajudar. Eu tinha um recém-nascido, um trabalho para tocar, uma casa pra cuidar. Eu queria poder dormir, em primeiro lugar. Chorei, literalmente, de abril a outubro todos os dias, com mais ou menos intensidade. Os choros foram escasseando com o tempo até voltarem em frequência quando meu pai faleceu em maio de 2023.
Eu acho que tive lucidez durante todo esse tempo porque eu sabia que eu não estava bem, tanto que eu discutia com minha psicóloga formas de me fazer voltar no meu eixo. O que era meu eixo? Reconhecer a minha individualidade, reconhecer meu corpo, relembrar do que eu gostava de fazer e quais eram meus objetivos de vida. Eu tinha perdido tudo isso. Eu vivia no automático. Exausta. Hoje, eu entendo o significado de "exaustão". Dentre as formas discutidas: dançar, ler livro, fazer exercícios. Falhei em todos por mais de um ano, tentando de variadas maneiras.
Onde eu queria chegar com esse post: a dança não me salvou (omiti muitas coisas mesmo, simplifiquei para tentar ir ao ponto, mas precisava dar um contexto mínimo).
Colocar uma música e deixar o corpo me levar. Tentar dançar organizado. Tentar minha própria aula estruturada. Aplicar meu próprio método. Fazer aula online. Ouvir música árabe.
Nada me motivou. E isso só piorava meu estado generalizado. Achava que eu não servia mais para isso; que, talvez, eu nunca tenha servido e eu que forçava a barra. Que eu já tava velha e muito gorda mesmo, "quem iria querer fazer aula comigo"? Que eu tava desatualizada, "quem iria querer saber do que eu sei"? Tantas mulheres com corpos incríveis no Instagram, dançando e dando aula ativamente. Lindas e eu, um trapo.
Eu ouvia tantas histórias de pessoas dizendo que a dança as salvou de algo e, óbvio que acredito nisso. Mas não serviu para mim, nesse contexto e momento. Quando ouvi o diagnóstico da minha psicóloga, entendi que a dança não era o problema. Eu só não tive espaço emocional nem energia física para recebe-la. Estava fora do meu controle. Não era questão de querer.
Hoje, eu consigo enxergar as coisas que foram, aos poucos, me retirando do buraco (que ainda me encontro, mas que já estou de pé dentro dele): a existência do meu próprio filho; a terapia semanal (que foi de 2 sessões por semana por 2 ou 3 meses); o livro "meu corpo minha casa" da Rupi Kaur.
Claro que outras coisas contribuíram: o amor e paciência do meu marido e das amigas que me acolheram; eu voltei a dormir quando meu filho se acertou; fiz uma dieta extrema que me fez perder 15 quilos e me fez olhar pra mim mesma melhor (essa história de imagem corporal não é nada simples); tive visitas do Brasil ao longo desses meses. Uma virada importante foi dançar no Festival Hórus, durante minhas férias do Brasil, em outubro de 2023. Estar no palco depois de anos sem estar em um, foi o que me retirou do lugar de vez (a dança aqui ajudou num momento em que eu já estava começando a me recuperar - durante o processo inteiro, não encontrei na dança algum tipo de alívio ou direcionamento, infelizmente, apenas frustração).
Até o dia que recebi uma mensagem de alguém querendo aula particular. Estamos trabalhando juntas há alguns meses e consegui, graças à ela, a voltar a ver algum valor em mim, no que tenho pra oferecer e no que a dança pode me oferecer.
Eu e a dança voltamos. Estamos na fase do namoro. Se olhando, se (re)conhecendo, com o pé atrás porque ela vai receber outra pessoa agora.
A dança não me salvou da depressão pós-parto. Mas, pode ser que ela volte a fazer parte de mim, algum dia.
Bauce kabira,
Hanna Aisha